Procurou um clínico geral que solicitou uma ultrassonografia do pescoço e região submandibular (glândulas salivares). A ultrassonografia, realizada em um grande laboratório da cidade de São Paulo em 24.07.09 e que trouxe consigo, relatou que a tireóide estava globalmente diminuída, difusamente hipoecogênica e heterogênea, sem nódulos. O volume global mensurado nessa ocasião foi de 5.4cm³, equivalendo a uma diminuição 53% do volume médio normal. O ultrassonografista concluiu que “a tireóide estava diminuída e com alteração textural difusa”. Também relatou “uma formação nodular sólida lobulada, heterogênea, com diminutas áreas císticas, adjacente ao lobo esquerdo e próximo à região supraclavicular esquerda, que apresentava discreto fluxo ao estudo com o DOPPLER colorido (mediu 2.0×1.5cm)”. Concluiu que o nódulo adjacente ao lobo tireoidiano esquerdo poderia ser uma “paratireóide aumentada ou um nódulo tireoidiano exofítico”. As imagens mais pertinentes relacionadas ao exame realizado em nesse laboratório são mostradas nas fotos de 1 a 4.
prévias relatava apenas a apendicectomia e a colocação de cateter duplo J após implosão de cálculo ureteral esquerdo. De antecedentes familiares importantes relatava que o pai tinha falecido de câncer de tireóide muito agressivo aos 60 anos, apenas 4 meses após detectar a doença, que a tia
paterna também havia sido diagnosticada com câncer de tireóide invasivo em nosso serviço há vários anos. Como o câncer era muito avançado pelo laudo do nosso ultrassom, os familiares decidiram levá-la para os EUA, onde repetiram todos os exames, inclusive o US, que constatou tumor em estadio menos avançado do que tínhamos relatado. Na cirurgia constatou-se que o tumor era um carcinoma
papilífero que já invadia a traquéia, tendo-se realizado tireoidectomia total, ressecção do segmento comprometido da traquéia e traqueostomia definitiva (operada nos EUA na década de 90). Após a cirurgia o cirurgião comentou que o nosso exame foi o mais fidedigno e compatível com os achados cirúrgicos. A paciente permaneceu em remissão por 11 anos, quando uma metástase cerebral do câncer tireoidiano foi diagnosticada e ela evoluiu para o óbito em 4 meses. A irmã do paciente teve carcinoma papilífero de tireóide no ano passado e já foi operada, passando bem. A sua prima de segundo grau foi diagnosticada com câncer de tireóide há 20 anos, também em nosso serviço (carcinoma papilífero), foi operada e está curada. Têm outras 4 irmãs, que aparentemente não tem problema de tireóide, mas não investigaram.
hipervascularizadas em relação ao parênquima normal, com convergência de vasos do parênquima ar redor para a lesão, que era irrigado por vasos tortuosos, finos e anômalos; N3 (istmo- identificado como N2 do istmo nas imagens) mediu 0.7×0.7×0.3 cm nos seus maiores eixos, foi classificado como de padrão sólido duvidoso (19% de risco de malignidade na nossa casuística) e era hipovascularizado no estudo DOPPLER; N4 supra ístmico (identificado como N3 região ístmica nas imagens), podendo ser extra tireoidiano, mediu 0.6×0.6×0.3 cm nos seus maiores eixos e foi classificado como de padrão sólido duvidoso (no caso de ser originário da tireóide) e era hipovascularizado no estudo DOPPLER, promovendo deslocamento de vasos ao seu redor; N5 (lobo esquerdo- identificado como N1 do lobo esquerdo na foto) mediu 0.5×0.5×0.4 cm nos seus maiores eixos, foi classificado como de padrão sólido maligno e era hipovascularizado no estudo DOPPLER, mas havia convergência de vasos para a lesão, que era irrigada por vasos finos, anômalos e tortuosos; N6 (lobo esquerdo – identificado como N2 do lobo esquerdo nas imagens) mediu 0.4×0.4×0.7 cm nos seus maiores eixos, foi classificado como de padrão misto duvidoso com calcificações e era hipovascularizado no estudo DOPPLER. As imagens mais ilustrativas deste exame são mostradas nas fotos de 5A/B a 10A/B abaixo:

Diante desses resultados foi indicado o mapeamento dos linfonodos cervicais que contatou 43 linfonodos aumentados, os quais foram classificados em 3 grupos:
total de 38 nódulos (classificados como de padrão benigno pelo US);
1 nódulo situado posteriormente ao terço inferior do músculo esternocleidomastoideo esquerdo, medindo 0.9×0.9×0.4cm (classificado como de padrão duvidoso pelo US);
inferiormente ao lobo esquerdo da tireóide: mediu
1.2×1.1×1.1cm nos maiores eixos;
inferiormente ao lobo esquerdo da tireóide e lateralmente ao
nódulo anterior: mediu 1.7×1.2×1.1cm nos maiores eixos;
inferiormente ao lobo esquerdo da tireóide e ao
nódulo N1 do grupo III, insinuando-se para o mediastino
ântero-superior: mediu 2.1×1.5×1.3cm nos maiores eixos;
inferiormente ao lobo esquerdo da tireóide e ao
nódulo N1 do grupo III, anteriormente à
traquéia: mediu 1.7×1.5×1.2cm nos maiores eixos.
Na conclusão do nosso exame enfatizamos nos comentários finais:
3º A critério clínico sugerimos punção aspirativa com agulha fina dirigida com a ecografia (PAAF) para os seguintes nódulos:
à invasão tumoral. Não havia infiltração da cápsula do tecido peritireoidiano, nem êmbolos neoplásicos
intravasculares. Dos 38 linfonodos cervicais removidos, 9 eram metastáticos: 1 do compartimento central; 6 do compartimento central esquerdo;1 pré-traqueal e 1 do estojo jugulo-carotídeo esquerdo, este apenas detectado no exame da parafina, pois a lesão era microscópica, caracterizada por grupamento de folículos em seios para foliculares. Os demais 29 linfonodos não apresentavam metástases e eram reacionais.
mostraram os nódulos identificados no nosso exame e que foram corroborados na cirurgia. Tampouco a tireóide exibia o padrão de vascularização nodular e tireoidiana que apresentava no exame realizado no nosso serviço. Isso pode ser interpretado de 3 formas:
das bordas, etc) o que não permitiu resolução de contraste adequada para identificação dos nódulos;
é corroborada quando se compara a quantidade de vasos e a morfologia vascular do exame realizado em nosso serviço (tortuosidade, enovelados e convergência vascular, entre outros, que permitiram a caracterização de malignidade dos nódulos) com o que foi mostrado no exame do outro serviço. Praticamente não se identifica vasos no tecido tireoidiano no exame do colega, sendo que a tireóide
era hipervascularizada no exame do nosso serviço. Não sabemos o tipo da sonda e qual o ajuste para o DOPPLER que foi executado, mas certamente o exame realizado não reflete a realidade;
2. O exame ultrassonográfico realizado no nosso serviço identificou que a tireóide continha tumor maligno multifocal com metástases para linfonodos loco regionais (detectou 6 nódulos intra tireoidianos suspeitos e ainda vários peri tireoideanos, compatíveis linfonodos cervicais aumentados, 4 dos quais de padrão maligno e 1 duvidoso), permitindo indicar corretamente a cirurgia, os quais foram
corroborados pelo anatomopatológico como carcinoma papilífero multifocal e metástases para 9 dos 38 linfonodos removidos. Apenas 1 nódulo, o do lobo direito, era fibrose (falso positivo da análise
morfológica). A fibrose tecidual é frequente ser falso positivo, pois seus limites são irregulares e mal
definidos, a textura é sólida e densa, simulando malignidade no estudo US morfológico, embora no estudo Doppler invariavelmente se apresente como hipovascularizada, como no presente caso, o que favorece a hipótese de benignidade (verdadeiro negativo do Doppler). O padrão Doppler dos nódulos ístmicos também merece ser comentado, principalmente o maior deles, pois embora contivesse áreas mais vascularizadas, alternadas com outras menos vascularizadas do que o parênquima tireoidiano normal, que não é típico de malignidade, exibia vasos convergentes que penetravam a lesão e adquiriam aspecto anômalo na topografia intra tumoral (vasos finos e tortuosos, muito suspeitos de malignidade). A matéria Caracterização dos nódulos tireoidianos, do curso de tireóide do portallucykerr contém todos os detalhes sobre como identificar os nódulos tireoidianos malignos e diferenciá-los dos benignos, pela análise morfológica e Doppler e na Aula 1 da matéria
Indicações da ultrassonografia da Tireóide – Parte I ensinamos como se pesquisa, se mapeia e se caracteriza os linfonodos cervicais no pré e pós-operatório (mostramos sinais morfológicos e Doppler dos linfonodos cervicais benignos e malignos, que são fartamente ilustrados). Recomendamos essas
aulas para aqueles que fazem exames ultrassonográficos da tireóide, para evitar erros grosseiros como os descritos neste caso;
exofítico da tireóide, não tendo sido sugerida a hipótese mais óbvia e frequente, que seria a de linfonodo cervical aumentado. Neste caso claramente há um erro de interpretação, mais uma vez
evidenciando o despreparo de formação do ultrassonografista. Esse despreparo é ainda mais evidente
quando analizamos as 2 hipóteses mencionadas pelo colega para este nódulo:
Na mesma hora comentei com o patologista que se o nódulo continha tecido tireoidiano ele era metastático, pois sua topografia era extratireoidiana e já havíamos detectado neoplasia tireoidiana multifocal nas outras PAAFs realizadas nesse mesmo dia anteriormente. Temos que ter sempre em mente que a PAAF pode ter falso negativo, que é da ordem de 27% nas séries citopatológicas (Galera-Davidson H. Diagnostic Problems in Thyroid FNAs. Diagn. Cytopathol 1997; 17:422-428) e 30% na nossa casuística, motivo pelo qual temos que acompanhar todos os pacientes cujo o resultado da PAAF é benigno e a evolução não corresponde a esse parecer. Recentemente tivemos um paciente operado de carcinoma papilífero há 5 anos, que apresentou um linfonodo adjacente à jugular interna esquerda muito suspeito após a cirurgia (classificado como de padrão maligno pelo US), mas a PAAF veio benigna (linfonodo reacional) e ele cresceu 11 vezes em 2 anos de evolução. Este é um caso onde está indicado repetir a PAAF, com dosagem da tireoglobulina do aspirado, que reduz os falsos-negativos .
6. Finalmente devemos alertar aos que desejam exercer a Ultrassonografia para que se preparem com mais cuidado do ponto de vista técnico e interpretativo, não cometendo erros tão graves como os descritos, pois com apenas 6 dias separando um exame do outro, não poderia haver tanta diferença entre as imagens e os laudos ultrassonográficos (erros técnicos, de observação e de interpretação). É com este propósito que criamos o nosso portal: para ensinar o que aprendemos ao longo dos anos, com muito estudo e acompanhamento dos casos. Eu sei qual foi a evolução
deste caso. Será que o colega que errou o diagnóstico sabe? E que seu erro poderia ter resultado em
mais um óbito por carcinoma tireoidiano naquela família, caso o paciente não tivesse buscado uma
segunda opinião. O ultrassonografista precisa usar todo o conhecimento médico e técnico para obter as imagens diagnósticas e interpretá-las adequadamente e não ser apenas um fotógrafo.
Residentes colaboradores:
- DRA. KÁTIA ANDRIONI
- DRA. KARINA PIVA CAMARGO VOLPE